terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Silka - Ilse Losa e Manuela Bacelar

Silka" de Ilse Losa*****1º capítulo
«Numa viagem por terras bálticas apeei-me, certa tarde de calor, numa extensa praia de areia lisa. Descalcei-me e pus-me a caminhar ao longo do mar, calmo como os lagos das florestas. Tão grande era o silêncio em redor que me parecia ouvir as vibrações do ar e a agitação dos peixes na água.
Caminhando assim, a passo lento, sem hora marcada, deparei com um aglomerado de casinhas desabitadas, de pedras toscas enegrecidas pelo tempo, sem portas nem janelas. Resolvi entrar numa delas, mas mal pus o pé na soleira da porta o mar empinou-se em ondas ruidosas que se quebravam aos meus pés e alastravam pela areia, numa espuma hostil de tão fria. Era como se uma grande mão inimiga me tocasse.
Assustada, afastei-me em direcção ao monte do outro lado das dunas e das tristes casinhas vazias, o qual, visto assim de baixo, me parecia bastante calvo. Resolvi subir. Chegado ao cimo, vi que o mar voltara à sua calma, tal como o tinha encontrado ao chegar.
Nisto os meus olhos caíram sobre um grupo de quatro árvores que naquele lugar ermo, sem mais nenhuma vegetação, faziam o efeito de terem sido expulsas para o deserto. Entre um pinheiro e um cipreste, ambos de porte solene, havia um choupo de aspecto frágil, cujas folhas, verdes de um lado e prateadas do outro, tremiam sem cessar. Atrás elevava-se uma faia, majestosa no esplendor do seu tronco sem mácula e da sua volumosa copa de folhas cor de sangue. Dir-se-ia que os outros dois, o pinheiro e o cipreste, se aconchegavam na sua sombra como num quente abraço maternal.
“Como terão estas árvores vindo parar aqui, a este monte abandonado?”, perguntava de mim para mim, quando ouvi uma voz:
- Belas árvores, não são?
Ao meu lado estava um velho, de olhos amáveis por detrás das lentes grossas.
- São belas, sim – concordei. – Mas estranho vê-las aqui e serem cada uma da sua espécie.
O velho apontou para as casas desabitadas, em baixo, junto ao mar:
- E não estranha também aquelas casas, sem portas nem janelas?
Respondi que sim, que elas me surpreenderam, e que o mar se enfurecera quando eu quisera entrar numa delas.
- Não me admiro – disse ele. – O mar vigia-as com rancor, pois certo dia viu todos os habitantes fugirem delas, apavorados, para nunca mais voltares.
- Mas porque é que fugiram?
- Porque viram o mar tingir-se da cor do sangue, da mesma cor das folhas desta faia.
Mal ele tinha acabado de falar, as folhas – seria ilusão minha? – sussurraram por uns breves instantes como em confidência amigável.
- É uma história longa – continuou o velho –, mas se tiver tempo e paciência gostava de lha contar.
Eu tinha tempo, pois andava em viagem de recreio. E paciência para ouvir uma história, raras vezes me falta.
Ele convidou-me com um gesto a sentar-me junto de si, num rochedo perto das quatro árvores, e começou a contar a história mais extraordinária que eu jamais ouvira.»
Ilse Losa, ilustrações de Manuela Bacelar
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