"Para que serve um livro sem figuras nem diálogos?", perguntou-se Alice, entediada, pouco antes de decidir seguir o Coelho Branco até o País das Maravilhas. Quase cento e cinquenta anos depois (o livro de Lewis Carroll foi publicado pela primeira vez em 1865), as imagens continuam centrais para a conquista de jovens leitores - tanto que, ao longo dos últimos anos, elas vêm desempenhando papel cada vez mais relevante nas narrativas infantojuvenis.
A importância da ilustração e do projeto gráfico, constatável empiricamente em qualquer visita às livrarias, é confirmada por editores e pesquisadores, que apontam a diferença entre o livro com ilustração (aquele em que a imagem é apoio, apenas reforçando o que diz o texto) e o livro ilustrado, no qual ou se prescinde da palavra escrita ou ela atua juntamente com a ilustração.
O livro ilustrado - também chamado de livro-ilustrado, livro de imagem ou, em Portugal, álbum - não é, em si, uma novidade. Encontram-se antepassados seus nos séculos 18 e 19. O livro inclinado e O livro do foguete , de Peter Newell, exemplos de interação entre conteúdo e suporte, foram publicados pela primeira vez em 1910 e 1912, respectivamente; Maurice Sendak lançou Onde vivem os monstros , um dos clássicos do gênero, em 1963. No Brasil, Ziraldo publicou o famoso Flicts em 1969; em 1976, foi a vez de Juarez Machado apresentar o seu Ida e volta , e desde a década de 1980 Eva Furnari e Ângela-Lago vêm produzindo livros com pouco ou
nenhum texto.
O que há de novo, hoje, é a quantidade de livros de imagem disponíveis (um fenômeno que se insere, e é importante destacar, em um crescimento geral da indústria do livro infantojuvenil) e o status que eles vêm conquistando. Recentemente, esses deixaram de ser apenas porta de entrada para o universo das letras e tornaram-se reconhecidos como literatura. O ilustrador, agora, não é apenas um profissional contratado para prover as "figuras" de uma história alheia: ele tem o mesmo peso do escritor, cria com ele ou é o único autor do livro. Na esteira desse movimento, o livro de imagem vem se consolidando também como campo de estudo nas universidades.
Que livro é esse?
O crítico e ensaísta inglês Peter Hunt afirma, em Crítica, teoria e literatura infantil (Cosac Naify, 2011), que o livro ilustrado é a única área da literatura infantil que evoluiu do "texto realista clássico para o genuinamente descontínuo e interativo". O fato é que, por sua própria essência, o gênero se presta à experimentação e à inovação, tanto em termos de conteúdo como de suporte: de um lado, ele propicia projetos inovadores como formatos inusitados, diferentes técnicas de desenho e uso criativo de tipologias; por outro, os recursos visuais permitem a criação de narrativas não lineares, abertas a várias interpretações.
Por essa riqueza de possibilidades, vem se diluindo a ideia de que o livro de imagens se dirige apenas às crianças menores, não alfabetizadas, pois ele pode permitir diferentes níveis de compreensão e de fruição, conforme a maturidade do leitor. Outro elemento contribui para isso: os livros muitas vezes se dirigem também ao adulto que os apresenta à criança. Em um artigo publicado em 1996 na revista espanhola Peonza , Teresa Colomer, da Universidade de Barcelona, lembra que muitos dos livros de imagem infantis trazem referências implícitas a dados culturais do mundo adulto, levando em consideração o mediador da leitura. Dessa forma, "o gênero que parecia destinado a ser o mais simples da literatura infantil é o que produziu as maiores tensões sociais e estéticas, porque aproveitou os recursos de dois códigos simultâneos e implicou duas audiências distintas".
Os exemplos de livros que transitam pelas fronteiras de idade se multiplicam. Um deles é a premiada trilogia composta pelos livros Onda, Espelho e Sombra (Cosac Naify), da sul-coreana Suzy Lee, narrativas que se desenvolvem sem palavras, baseadas apenas no traço a carvão, com economia de cores. A vida secreta das árvores , da WMF Martins Fontes, apresenta ilustrações e projeto gráfico requintados - com elaboradas gravuras de artistas indianos impressas em silk screen sobre papel artesanal - possíveis de serem fruídos como livro de arte, ao alcance de leitores de idades variadas.
Quando o livro ilustrado não apresenta uma narrativa, uma história, a determinação da idade do leitor torna-se ainda mais imprecisa. Não é difícil admitir que Zoom , do húngaro Itsvan Banyai, lançado no Brasil pela Brinque Books em 1995, seja tão atraente para uma criança quanto para um adulto: à medida que se viram as páginas, percebe-se que cada imagem apresentada é parte de um todo maior, como se o leitor estivesse reduzindo o zoom em uma fotografia.
A mesma lógica segue A janela de esquina do meu primo (Cosac Naify, 2010), do alemão Ernst Theodor Amadeus Hoffmann. Na obra, de forte diálogo com as primeiras experiências cinematográficas, o leitor tem contato, por meio da observação de uma praça, ora em sua totalidade, ora a partir de alguns de seus aspectos particulares, com os grandes temas da urbanização nas emergentes metrópoles da virada do século 19 para o 20. Nesses exemplos, a multiplicidade de possibilidades de leitura torna desimportante a determinação da faixa etária para o leitor. Algumas editoras resistem a indicar a idade ou a série ideal para os livros de seu catálogo infanto juvenil; outras consideram que as indicações são referências úteis ao professor e devem ser tomadas como sugestões.