terça-feira, 2 de outubro de 2012

O Tê Dois Três - António Torrado e Cristina Malaquias

 

O Tê Dois Três
 
 
O astronauta, lá de cima, olhou para a Terra, cá em baixo, e exclamou:
- Ai que me esqueci de deitar alpista ao canário.
E agora? A casa fechada e sem ninguém, ele com a chave no bolso e o coitado do canário tão longe, tão inacessível... E sem alpista. Um canarinho novo, ainda nem nome tinha.
- Há algum azar? - perguntaram do controle, na Terra.
- Não. Nada - disfarçou o astronauta. - Estava só a conversar com os meus botões.
Resposta mesmo descabida, porque o fato do astronauta não tinha botões, mas apenas um fecho éclair de cima a baixo.
- Confere o motor T2.3. - ordenaram-lhe da Terra...
O astronauta conferiu.
- Motor T2.3. com problemas - disseram-lhe da Terra. Reconfere.
O Astronauta reconferiu.
- Continua com problemas - insistiram da Terra.
Eles, na sala de controle, diante dos ecrãs, sabiam mais do motor T2.3. do que o próprio astronauta.
- Missão cancelada. Regressar à base - ordenaram da Terra.
Com esta informação de que a viagem tinha sido interrompida, o astronauta devia ficar triste, mas não ficou. E nós sabemos porquê.
Desceu. Aterrou. Saiu do aparelho, onde, no meio de tanta perfeição técnica, um motor, o T2.3., por qualquer berbicacho incompreensível, se tinha avariado. Grande era o desânimo de todos os que trabalhavam naquele centro de astronáutica. Todos, menos um.
Mal correu o fecho éclair do seu fato acolchoado, o astronauta nem quis ouvir as palavras de consolo dos seus colegas. Foi direito a casa, de chave na mão.
Ainda hoje os colegas do astronauta não percebem porque é que ele chama ao canário amarelo e esperto, que saltita na gaiola, o Tê Dois Três.
Com tantos nomes engraçados, dar ao canário o nome de um motor, ainda por cima um motor sujeito a avarias, é sinal de falta de sensatez. Será?

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