A serenidade dos papás era branca. Parecia a neve que cai no bosque no mês do Natal. Ou o doce açúcar que a avó Berta polvilha por cima das suas tartes. E essa branca serenidade trouxe à boca da Matilde palavras que, embora trémulas e hesitantes, tinham em si a forte certeza de que tudo ficaria bem.
– Vou passar a ter duas famílias? Vou viver com quem?
– Meu amor, passarás a ter duas casas, mas a família é só uma e estará sempre unida por ti e para ti. Uma família que resolverá quaisquer problemas que surjam, uma família que comemorará tudo o que de importante acontecer na tua vida. Achas que a mamã ou o papá deixariam de assistir à peça de teatro da festa de fim de ano da escola?! Ou que não te acompanhariam ao hospital se partisses uma patita?! – perguntou a mamã, deixando bem claro que só uma mudança aconteceria na vida da Matilde: passaria a ter duas tocas e viveria com o papá e a mamã, embora em casas separadas.
– Uns dias dormirás aqui nesta toca, noutros irás dormir à toca do papá. Tanto a mamã como o papá continuarão a dar-te banho, a ajudar nos trabalhos-de-casa, a passear contigo! Ah, temos que escolher a cor para pintar o teu quarto, filha! – exclamou o pai, entusiasmado.
– Hum mm… talvez cor-de-laranja, como as cenouras… – respondeu Matilde, sorridente. Por momentos lembrou-se da alegria do colega Tomás, apesar de falar dos pais que viviam separados. E agora compreendia porquê. A mamã e o papá estarão sempre presentes na vida dos filhos e, todos juntos, serão sempre uma família.
Mas, logo em seguida, os olhos de Matilde voltaram-se para o chão e entristeceram-se. As suas grandes orelhas baixaram-se sobre eles, tentando ocultar as redondas lágrimas que rolavam devagar pelos seus bigodes. Depois, palavras lentas, pequeninas e tristes saíram da sua boca:
– Vão separar-se porque às vezes porto-me mal, não é? Como no outro dia em que saltei tanto no sofá que caí e parti a jarra de flores que a avó Berta tinha oferecido?...
– Matilde, minha querida, os papás vão separar-se porque deixaram de gostar um do outro enquanto namorados, mas continuarão sempre a gostar-se enquanto teus pais. Talvez tenhas reparado que ultimamente não andamos tão carinhosos ou até que às vezes temos discutido… Foram os sinais de que a nossa relação de amor chegou ao fim. Mas o amor que temos por ti, esse, só pode continuar a crescer e é tão certo existir como todas as noites o sol dormir e a lua acordar.
Nesse instante, Matilde olhou lá para fora e viu que o sol já se punha, deixando o céu com a sua cor preferida. Limpando as lágrimas e sentindo no coração a certeza de não vir a perder nunca o pai ou a mãe, deu-lhes as mãos e disse, sorridente e orgulhosa:
– Hoje na escola fizemos um trabalho sobre a família. Escrevemos um texto que vai amanhã ser afixado no átrio. Vou pedir à professora para acrescentar uma frase.
– Qual, Matilde? – perguntou a mamã, curiosa.
Família é quem nos assegura estar sempre aqui, mesmo que more noutra casa.
Os três deram um abraço. E, desta vez, as palavras dos papás substituíram o silêncio.
– Amo-te, Matilde – disseram os pais em uníssono.
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